terça-feira, 18 de abril de 2017

"Ostra feliz não produz pérola"



O primeiro livro que li de Rubem Alves, eu tinha 10 anos de idade. Achei "O Retorno Eterno", por acaso na biblioteca do colégio. Ele me acompanhou na adolescência. Na juventude tive a oportunidade de conhecer Rubem numa palestra sobre educação em Maringá. Sofri com sua morte há pouco tempo, como se fosse um velho amigo.

As vezes, quando me sinto só, pego um de seus livros para ler. Acho que ele tem um dom único... porque quando leio sua obra tenho a sensação de estar numa sala cercada de obras de arte, ao som de música clássica, bebendo um bom uísque e fumando charuto, ao lado de um dos amigos que alimentam a minha alma. 

Rubem Alves intitulou um de seus livros de "Ostra feliz não produz pérola". Ganhei o livro no fim da adolescência, de uma amiga. Li e gostei. Mas logo percebi que o título escondia com sutileza um conceito voraz sobre a humanidade.

A descrição de que a ostra produz a pérola a partir dos grãos de areia que entram nela e a incomodam, metaforiza as nossas angústias transformadas em coisas boas. E cabe em diversos aspectos da vida. Acho que metaforiza a própria existência humana num mundo ostil.

Acho que são raros ou inexistentes adultos completamente felizes neste mundo. Temos sempre vícios, neuroses, traumas, relações mal resolvidas, doenças físicas, mágoas e violências contidas que carregamos conosco, que estão além de nosso alcance resolutivo muito porque tais defeitos já compõe a nossa identidade, e no fundo, por costume, apego, inconsciência... não estamos dispostos a abrir mão deles.

Mas o interessante disso, é que assim como as nossas doenças podem nos levar prematuramente a morte, também são, para muitos indivíduos, uma permanente motivação para gerar beleza, produzir arte, lutar por mudanças externas. Acho poética e divina a perspectiva de transformação de vícios e doenças em presentes para o mundo.

Rubem Alves fez isso, transformou suas dores, seus medos, suas dúvidas em diálogo com o mundo. A poesia que demonstra em suas palavras, talvez não fosse a mesma que demonstrasse no cotidiano da convivência, conforme as notícias que temos da maioria dos grandes artistas. Gostaria disso na minha vida. Deixar uma obra, fosse em que âmbito fosse, capaz de tornar meus vícios, doenças, idiossincrasias insuportáveis em questões insignificantes. Talvez um dia.

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