domingo, 30 de abril de 2017

Belchior... minha singela homenagem!




Sempre tive a impressão de que ele era um poeta desses parecidos com uma parte dos meus amigos... que acende um cigarro e recita qualquer poema bêbado, de sua própria autoria, no fim da noite, na mesa do bar. Gente simples de tão complexa, que as vezes se enche de alguma fé quase cética, guardando as armadilhas, sem muita estética, para poder amar. Do tipo que diz..."hoje à noite namorar, sem ter medo da saudade, sem vontade de casar". Como eu gostaria de ter dito essa frase, para os ouvidos do mundo e para os meus... Sinto que ele foi alguém de uma efervescência de alma tamanha, com muito mais coragem que a maioria de nós, viciado em emoção. Que não se compreendia totalmente e quando se via no espelho expressava uma vaidosa lamentação... "Como é perversa a juventude do meu coração que só entende o que é cruel, o que é paixão". Uma homenagem única e honesta à intensidade. E então, demasiadamente humano, oscilava entre a desilusão e a esperança, dialogava com suas contradições, fazendo da sua arte o seu escape, sua arma, seu protesto e seu encanto: "Ora direis, ouvir estrelas, certo perdeste o senso, eu vos direi no entanto: enquanto houver espaço, corpo e tempo e algum modo de dizer não, eu canto."... Cantamos todos... pois em algum lugar dentro de nós, ainda acreditamos. E mesmo sabendo da complexidade psicanalítica que guardava o amor, essa de ser encontro de sintomas e percepções questionáveis, preferia dizer...: "Deixando a profundidade de lado, eu quero é ficar colado à pele dela noite e dia, fazendo tudo e de novo, dizendo sim a paixão, morando na filosofia. Quero gozar no seu céu, pode ser no seu inferno. Viver a divina comédia humana onde nada é eterno". O que posso dizer? Também quero!!! E apesar dele não ter cantado as dores da minha geração, teve percepções poéticas atemporais, do quanto nossa arrogância a respeito da vida e das mudanças que podemos proporcionar as vezes são infantis... e que depois de algumas desilusões, isso tudo nos faz sofrer... e muito. Portanto, assim, em mil ocasiões, ontem, hoje e amanhã, entoamos com ele, sem mais...: "Minha dor é perceber que apesar de tudo que fizemos ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais" ... Obrigada Belchior!!! Descanse em paz.



quinta-feira, 27 de abril de 2017

O mês de abril e a saudade...


O mês de abril não deveria se chamar assim, deveria se chamar saudade. Os dias começam a ter temperaturas mais baixas, o Sol brilha e o céu fica com um azul vibrante. As noites são frias, as comidas e as bebidas quentes tomam o seu lugar. Em abril já não estamos mais no início do ano... o que tinha que começar já começou. O verão dá lugar ao outono melancólico e poético.

Tenho memórias intensas de coisas que acontecerem neste mês em vários períodos da minha vida. Na adolescência e início da juventude, essa época estávamos sempre envolvidos com os congressos estudantis... na qual viajávamos quilômetros para discutir política e encontrar pessoas queridas ou pessoas que faziam nosso coração pulsar, revivendo um anacronismo delicioso da mistura do amor com a política juvenil.

Foi em abril de 2010 que assumi a liderança da juventude do PT no Paraná, num encontro intenso que me deixou saudade e gerou paixão. Em 2012, neste mesmo mês, me mudei para São Paulo. Em 2013, passei abril inteiro, conhecendo paisagens na Bahia. Foi em abril que iniciei as aulas do mestrado e no ano passado ingressei na última etapa da Escola Superior da Polícia Civil.

Neste ano, foi neste mês que fiz um dos mergulhos subjetivos mais profundos, percebendo coisas do meu passado e iniciando novos projetos para o futuro, descontruindo padrões que pareciam intransponíveis. Tive um mês interessante, que por mais dolorido que tenha sido, me deixará saudade quanto a intensidade das coisas. Não é sempre que a vida tem sabores tão relevantes, costuma ser sempre em abril.


quarta-feira, 26 de abril de 2017

Canetinha marrom


Quando eu era criança, pré-adolescente, adolescente e me colocava em alguma situação de conflito na escola, havia um número imenso de possibilidades de resolução. Uma vez aos 7 anos, uma coleguinha me acusou de ter furtado uma canetinha marrom, porque justo a canetinha marrom dela tinha um formato diferente das outras. Mas todas as canetinhas marrons daquela marca, eram assim, inclusive a minha.

Eu sei que aquela "calúnia" me tirou o sono, eu não queria voltar para escola e enfrentar a colega que era a mais popular da turma e me acusava. Relatei os fatos para o meu pai. Ele, antes de qualquer coisa, ao me levar para a escola, estacionou o carro um pouco antes e orou para que Deus agisse naquela situação e abrisse os olhos da colega quanto a falsidade da acusação, depois me encorajou a encarar os fatos e me defender. Deu certo, ela achou a canetinha marrom, e me pediu desculpas.

Vivi diversas outras histórias, nas quais minha mãe também interveio. Diálogo com professores, pais de colegas, orientações. Minha mãe sempre ensinava que a gente não deveria bater em ninguém, mas caso fossemos agredidos, dizia: "se defenda". Minha irmã também deu uma grande ajuda na resolução dos meus conflitos infantis e pré-adolescentes na escola e em outros ambientes. Ela sempre foi temida e por isso, quando alguém mexia comigo, ia lá e já resolvia, as vezes com apenas um olhar ameaçador.

Resumo da história: existem mil e uma formas de resolver conflitos relacionais de crianças e adolescentes. Ou ao menos existiam. Soluções que vão de oração e manutenção da serenidade, passam pelo diálogo, até a devolução da agressão sofrida na mesma moeda. Aprendi isso em casa, como a maioria das pessoas.

Mas hoje, nem estamos na metade da manhã e atendemos na delegacia uns três casos bastante similares ao da canetinha marrom. Pessoas que não ensinam seus filhos a enfrentar as situações de conflito infantil e querem recorrer a polícia para resolver absurdos. Tenho certeza de que nunca nem passou pela cabeça dos meus pais ir até uma delegacia de polícia para requerer resolução quanto ao que era responsabilidade deles resolver. Não sei se já existia uma parcela da sociedade, mesmo naquela época, que já fazia isso, mas hoje em dia tem de penca.

Acho que essa atitude dos pais passa uma mensagem errada para crianças e adolescentes, de que um órgão público deve resolver seus conflitos subjetivos e privados. Fico pensando o que motiva alguém a ir até a polícia para requerer soluções assim. Todos os adjetivos que consigo pensar não são nem um pouco lisonjeiros. Gosto de diversos aspectos desse novo mundo politicamente correto, mas há que se ter limite quanto a intervenção do Estado em conflitos particulares... linhas tênues.


terça-feira, 25 de abril de 2017

Acne em poesia


Um cenário de guerra, pós guerra, pós batalha... 
Vermes comiam a energia criativa 
Que em sua direção tosca se tornara em nada. 
A mistura da vida parasita 
Com os resquícios dos soldados de uma batalha estéril, 
Inflamavam, erupções por toda parte.
Erupções que ilustravam a dialética do não... 
O mesmo "não" que poderia salvar o todo da guerra, 
Despedaçava as células em cada etapa da luta.
Como resultado: a deformação de uma harmonia óbvia 
Que era perdida a cada dia, 
Acumulando cicatrizes como uma menos pior companhia.
Algo estava errado, e se estampava na vitrine do existir... 
Como um alerta inquestionável.
Metáfora que gerava metáfora, 
trazendo a concreto o que não se pôde transcender. 
E assim o corpo pagava um preço alto 
Diante da incompletude do ser!

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Heranças transcedentais


Minha avó se chamava Eulália, morreu em 2011, aos 80 anos. Ela teve uma vida pulsante. Com olhos verdes e grandes, uma risada expansiva, unhas vermelhas enormes, costumava agregar muita gente a sua volta. Tinha um pensamento sagaz e uma elegância invejável. Faz seis anos que ela se foi e sinto a sua falta sempre... as vezes escuto sua risada e sua voz vivas como nunca em meus pensamentos e lembranças.

Ela tinha amigas pelo país a fora, sempre ouvimos falar de muitas delas, de São Paulo, Minas Gerais, Curitiba... laços profundos, pessoas que a visitavam e ela visitava sempre. Mas havia uma com status especial, que morava mais perto, sobrinha de seu primeiro marido e pai de seus filhos, o Pedro, no caso, meu avô. Essa amiga, se chamava Arminda.

Cresci ouvindo a vó Eulália fazer elogios a sua grande amiga Arminda. Indo visitá-la, falando com ela ao telefone. Coincidência ou não, Arminda sempre morou em Cianorte, 70 quilômetros de Maringá. Eu tinha a impressão de que a amiga era uma mulher forte e esplêndida tanto quanto minha avó Eulália... provavelmente eu tinha razão.

Acontece que neste ano, me mudei para Cianorte. Procurei a família que tenho aqui, mas que nunca antes tinha entrado em contato. Percebi nesta parte da família uma afinidade sem precedentes... e soube, que por mais que eu tenha resistido a me mudar de cidade, isso foi um privilégio do destino.

Entre os membros dessa família, conheci uma prima, neta da Arminda... Larissa. Desde o primeiro instante nos demos bem, ficamos amigas, como se tivéssemos crescido juntas. E mesmo com trajetórias diferentes, nosso diálogo fluiu numa profundidade que o tempo racional não explicaria. 

Volta e meia, eu e Larissa nos lembramos de nossas avós, contamos histórias de como elas eram fortes, empoderadas e exemplos de como aprendemos uma infinidade de coisas com elas. De alguma maneira que eu não sei explicar, sinto que essa amizade com minha prima é um presente de Eulália e Arminda para Amanda e Larissa. Um laço herdado e abençoado, uma amizade imediatamente eficaz porque vem privilegiada por uma construção prévia para muito além de nós. E além disso, talvez elas tivessem diálogos parecidos com os nossos, acompanhados de muito café e risadas escandalosas.

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Homeland


Faz um tempo que eu quero escrever sobre esta série: Homeland. Que sem dúvida alguma está entre as minhas preferidas, perdendo talvez somente para GOT, e em pé de igualdade com House of Cards, seguida por Black Mirror, Narcos e Marco Polo (que parece ter sido cancelada).

A série foi desenvolvida por Howard Gordon e Alex Gansa, é baseada no seriado israelense 'Hatufim'.  Nas primeiras temporadas, a trama gira em torno do sargento americano Nicholas Brody, um fuzileiro de guerra que é encontrado no Iraque após oito anos desaparecido. Ele volta para os Estados Unidos como herói e passa por um difícil processo de readaptação social. O problema é que a oficial de representações da CIA, Carrie Mathison, passa a acreditar que Brody foi convertido para o islamismo pelo líder da Al-Qaeda, Abu Nazir.

Carrie Mathison, é na verdade a personagem principal da série durante as seis temporadas. E apesar de ser uma espiã genial, e perceber coisas que ninguém mais consegue ver a sua volta, tem transtorno bipolar. O interessante é que é justamente sua doença que a faz ser tão diferenciada. 

A série retrata a CIA de um jeito peculiar, diferente de outras tramas sobre espionagem, que mostram seus agentes como semideuses, em Homeland, os personagens são muitíssimos problemáticos e suas vidas particulares são tomadas pelo caos devido ao vínculo com a agência. E fica claro que o que realmente faz diferença na ação da organização é o material humano.

Um aspecto fundamental, é que os que estão na CIA, são inseridos em um mundo a parte. E quando precisam se distanciar, viver uma vida "normal", isso se torna impossível, pois conhecem como o mundo funciona de verdade e sabem coisas que a maioria das pessoas não faz ideia. 

As narrativas dos episódios são construídas de maneira primorosa, é muito difícil não se deixar enganar e prever algum movimento da série, no geral, ficamos permanentemente surpreendidos. Ah, e sim, segue a tendência dos melhores seriados de hoje em dia, não há conforto... em momento algum podemos nos apegar aos personagens ou esperar finais felizes. É só tragédia.

O conflito relacional é permanente na série, mas vínculos profundos são formados devido a vivências muito intensas na agência. Para mim as relações mais interessantes são o vínculo de Carrie com Saul Berenson, uma relação quase filial, mas que não deixa de ser perversa em vários momentos em virtude da inserção deles na CIA; e a relação dela com Peter Quinn, um romance que nunca acontece de verdade, mas tem raízes profundas.

Recomendo a série... daquelas que eu não consigo parar de assistir, ficando horas a fio em estado semivegetativo... e sentindo um enorme vazio quando acaba. Tem 4 temporadas na Netflix, as outras duas você tem que baixar fora. Mas é imperdível e está entre as melhores.

terça-feira, 18 de abril de 2017

"Ostra feliz não produz pérola"



O primeiro livro que li de Rubem Alves, eu tinha 10 anos de idade. Achei "O Retorno Eterno", por acaso na biblioteca do colégio. Ele me acompanhou na adolescência. Na juventude tive a oportunidade de conhecer Rubem numa palestra sobre educação em Maringá. Sofri com sua morte há pouco tempo, como se fosse um velho amigo.

As vezes, quando me sinto só, pego um de seus livros para ler. Acho que ele tem um dom único... porque quando leio sua obra tenho a sensação de estar numa sala cercada de obras de arte, ao som de música clássica, bebendo um bom uísque e fumando charuto, ao lado de um dos amigos que alimentam a minha alma. 

Rubem Alves intitulou um de seus livros de "Ostra feliz não produz pérola". Ganhei o livro no fim da adolescência, de uma amiga. Li e gostei. Mas logo percebi que o título escondia com sutileza um conceito voraz sobre a humanidade.

A descrição de que a ostra produz a pérola a partir dos grãos de areia que entram nela e a incomodam, metaforiza as nossas angústias transformadas em coisas boas. E cabe em diversos aspectos da vida. Acho que metaforiza a própria existência humana num mundo ostil.

Acho que são raros ou inexistentes adultos completamente felizes neste mundo. Temos sempre vícios, neuroses, traumas, relações mal resolvidas, doenças físicas, mágoas e violências contidas que carregamos conosco, que estão além de nosso alcance resolutivo muito porque tais defeitos já compõe a nossa identidade, e no fundo, por costume, apego, inconsciência... não estamos dispostos a abrir mão deles.

Mas o interessante disso, é que assim como as nossas doenças podem nos levar prematuramente a morte, também são, para muitos indivíduos, uma permanente motivação para gerar beleza, produzir arte, lutar por mudanças externas. Acho poética e divina a perspectiva de transformação de vícios e doenças em presentes para o mundo.

Rubem Alves fez isso, transformou suas dores, seus medos, suas dúvidas em diálogo com o mundo. A poesia que demonstra em suas palavras, talvez não fosse a mesma que demonstrasse no cotidiano da convivência, conforme as notícias que temos da maioria dos grandes artistas. Gostaria disso na minha vida. Deixar uma obra, fosse em que âmbito fosse, capaz de tornar meus vícios, doenças, idiossincrasias insuportáveis em questões insignificantes. Talvez um dia.

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Sobre política e o nosso reencontro com a esperança!


Há um tempo venho falando de uma desilusão e desesperança que assola a minha geração. Minha percepção sobre isso se dá por alguns motivos. Não são poucos os amigos que tem cogitado a possibilidade de sair do país, gente que estudou, mas que mesmo com alto nível de escolaridade, está penando para pagar o aluguel todo mês.

Uma outra galera, que até já passou em concurso, que também sofre de desesperança, mas faz um discurso de que a vida não tem graça. Que é isso mesmo, trabalho, salário no fim do mês, bar no fim de semana, relacionamentos mais ou menos e só.

Não quero aqui deslegitimar nenhum sentimento ou impressão sobre a vida. Até porque passei por dias difíceis centrada nesta mesma perspectiva ou falta dela. Fui candidata a vereadora num dos momentos mais difíceis para a esquerda no país, e com um resultado eleitoral muito menor do que eu esperava, foi muito difícil entender que o problema era geral e não de incapacidade individual ou do grupo político do qual eu fiz parte.

Minhas esperanças foram abaladas, não só devido as eleições de 2016, ou o impeachment da Dilma, ou meu envolvimento com a militância, ou ainda a mudança para pior nas perspectivas em ampliação e manutenção de políticas públicas em benefício da parcela mais vulnerável da população, ou a incapacidade do PT de se reinventar e dar uma resposta a sociedade.

Parece que tudo faz parte de um círculo vicioso, que começa em aspecto macro, e atinge as nossas vidas particulares de maneira avassaladora. Dia desses em diálogo com um amigo, percebemos o quanto tudo o que está acontecendo no país atinge nosso humor dentro de casa. Mas creio que não seja bem isso.

Vejo uma relação dialética nesse momento histórico que estamos vivendo. De um lado os fatos gerais que nos desanimam, a ausência de lideranças nas quais podemos depositar confiança e renovar nossos votos de amor pela luta política. De outro lado, isso tudo vai alimentando nosso desânimo, nos faz abrir mão da elaboração política permanente. Nos faz não querer assumir uma responsabilidade geracional para reconstruir as coisas.

E por fim, nos dá a sensação de que tudo o que sabíamos sobre política, ficou velho. Por mais que volta e meia, as organizações tradicionais dos movimentos sociais ganhem algum fôlego, devido a absurdos propostos pelo atual governo, as alternativas que se apresentam no momento seguinte não empolgam ninguém.

Não sei onde chegaremos como consequência da atual conjuntura. Mas tenho refletido muito sobre a necessidade de reassumirmos a responsabilidade política do processo. De reinventarmos nossa esperança num novo patamar, mais complexo, mais elaborado. Não podemos nos entregar a uma estratégia que exacerbe ainda mais nosso individualismo e nos faça abandonar aquilo que compõe as nossas identidades.

Creio que é em movimento que perceberemos novas formas de diálogo e mobilização social. Não pretendo viver sem a luta política, não pretendo viver sem ser parte da construção de uma sociedade melhor... não pretendo viver sem esperança. Então, fica a certeza de que não podemos parar.

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Mosaico Identitário


Uma vez em diálogo com uma amiga, ela me contou sobre como via o mundo e em como isso tinha impacto na sua maneira de viver. Disse-me que imaginava o mundo real como se estivesse em um sonho, no qual todos eram arquétipos dela. Com isso, considerava as pessoas com as quais se relacionava, a partir da mesma régua que considerava a si mesma. E acreditava que nenhuma relação que estabelecia, era por acaso. 

Considerei esse conceito em alto nível. O que para um entendedor simplista pode parecer individualismo, é na verdade um fantástico senso coletivo. Pois, ela explicou que assim, vendo a todos como parte de si mesma, sempre assumia as responsabilidades de suas relações e amava o próximo com o seu amor próprio.

Não sei se consigo desenvolver um senso tão elaborado. Mas para mim há um sentido psicológico muito importante nisso. O qual tem tido grande eco dentro de mim. Antes de entrar na polícia civil e atender vítimas de violência doméstica, eu nunca tive uma empatia profunda com elas, apenas uma solidariedade racional.

Hoje em dia, mesmo tendo experiências relacionais diferentes da maior parte das mulheres que atendo, eu me sinto um pouco elas, no que tange a minha identidade feminina e todos os bônus e principalmente ônus que isso me causa. Cada um dos casos, me vejo um pouco, penso que poderia ser eu, não fosse ter tido oportunidades diferentes. Penso, as vezes, que em outras proporções, elas são eu e eu sou elas.

Isso também se reflete nas demais relações. Sinto que cada pessoa que me relacionei na vida, passou a ser um pouco parte de mim. Cada identidade com a qual tive contato... familiares, amigos, colegas, amores... todos eles juntos formam o mosaico que eu sou, e a partir da suas, me proporcionam uma identidade única. E os sinto dentro de mim com muita intensidade. E as vezes, mesmo que eles não saibam, dialogo intensamente com cada um... e assim, me trazem conforto, respostas, dúvidas, angústias...

terça-feira, 11 de abril de 2017

Elas


Eu guardava minha admiração-inveja
De uma possível equidade estabelecida
Num, para mim, 
Quase desconhecido patamar.
Eram triângulos perfeitos, 
Que formavam um retângulo voraz,
No intenso caos do amor.
Acompanhadas de um entendimento peculiar
Da pedra angular 
Dos segredos afetivos.

segunda-feira, 10 de abril de 2017

O segredo da loucura


10, 11, 12 e 13 eram os números das plataformas 
Que sustentavam sua despedida em concreto.
Dava "até breve" a sua melhor vertigem,
A cidade que mesmo gigante era seu canto quente,
Explicava e exemplifica sua origem,
Em várias cores em tons pastéis,
E no vermelho vibrante de sua estrela.
Coração cheio, agradecia o empréstimo 
Que fizera a religião que não era a sua. 
Aquele quase ateísmo radical
Sustentado por uma fé elaborada numa alma imoral.
Olhos brilhavam, 
Descansava nos esclarecimentos lúcidos 
De um sacerdote que explicava o segredo da loucura.
E se reiventava na sacralidade pagã 
Das amizades idiossincráticas.

sexta-feira, 7 de abril de 2017

Os ponteiros do relógio não voltariam para trás


Então enquanto ela tentou forçar o esgotamento do óbvio, o óbvio não se esgotou! Mas um dia, apenas se desfez. E no fundo do poço pode encontrar a chave para o destino transcendente.

Percebeu que a linearidade do pensamento do outro não era dela, não dizia nada sobre ela. Então as mentiras que contara para si mesma no sentido de resgatar sua alma, sua pulsão de vida, já não pareciam falsas, não eram falsas... apenas sofriam bloqueio de eco.

Naquele instante, tudo que presenciara em sua infância parecia ter sido um treinamento oculto que só agora tomava sua forma plena e passava a ter completa fruição em seu espírito. A arte do primeiro e maior gigante de sua vida a resgatava de sua pequenez. Que grande recurso lhe era oferecido!

Com a mudança de sua percepção, estava quase grata pelo abismo que a vida lhe proporcionava... pode ver o futuro, não como em uma profecia, viu numa matemática simples, não contaminada por seus subterfúgios. 

Teve a certeza de que não permaneceria naquele estado vegetativo. Já sabia que não estava mais lá. Ilusão não eram os propósitos estabelecidos. Ilusão era inebriar-se de uma desesperança que não era dela. Decidiu deixar para trás. Outro gigante interveio: "Siga o propósito, não o fluxo". Mais um pedaço do resgate se impôs. Inverteu a lógica. Já não era sem tempo.

Escreveu como quem psicografava, como uma usurpação de palavras que não eram dela, mas que por isso mesmo, nunca havia se sentido tão dona de si. Lembrou-se de que não era boa. Como se a bondade que seu estado vegetativo exigia fosse uma forma de corrupção. Que feliz constatação. Pode assumir seus sentimentos obscuros como parte genuína de sua identidade.

"Talvez vendo de fora, saber que bactérias existem, seja mais lindo do que pegar um estafilococos convivendo com elas", disse o terceiro gigante lembrando a acidez de seu humor adormecido. Assumiu os riscos de ser quem era. Estabeleceu o não. Findou sua espera. Amou suas contradições... cada uma delas.

Sentiu algo familiar.... uma emoção esquecida. Estava no controle, lembrou-se que adorava estar no controle. Levantou os braços e fez descer as brumas que atrapalhavam o seu olhar para a Avalon que reservava um outro aspecto de seu destino.

Assumiu sua própria narrativa. Já não estava em disputa a maneira com que descreveria sua história até aqui vivida. Cansou-se das linearidades desencorajadoras nas quais fora rotulada que tiveram um eco perverso devido a sua vulnerabilidade circunstancial.

Matou a esperança cega alicerçada na pseudo vivência de um amor estéril. Os ponteiros do relógio não voltariam para trás.

Estivesse onde estivesse, lembrou-se que pertencia a um todo. Não estava a margem da engrenagem que a movia. 

Eram tantos pertencimentos... a complexidade de seus gigantes, a roda da história, o caos nada sutil que se estabelecera no país continental. Ela pertencia a vida que pulsava por todo lado, pertencia as trincheiras da guerra que estava por vir, pertencia aos amores que já vivera e que ainda viveria, pertencia a todas as emoções existentes, efervescentes, dinâmicas. Era parte do movimento do Universo, compunha o começo, o meio e o fim.

Os ponteiros do relógio não voltariam para trás


Então enquanto ela tentou forçar o esgotamento do óbvio, o óbvio não se esgotou! Mas um dia apenas se desfez. E no fundo do poço pode encontrar a chave para o destino transcendente.

Percebeu que a linearidade do pensamento do outro não era dela, não dizia nada sobre ela. Então as mentiras que contara para si mesma no sentido de resgatar sua alma, sua pulsão de vida, já não pareciam falsas, não eram falsas... apenas sofriam bloqueio de eco.

Naquele instante, tudo que presenciara em sua infância parecia ter sido um treinamento oculto que só agora tomava sua forma plena e passava a ter completa fruição em seu espírito. A arte do primeiro e maior gigante de sua vida a resgatava de sua pequenez. Que grande recurso lhe era oferecido!

Com a mudança de sua percepção, estava quase grata pelo abismo que a vida lhe proporcionava... pode ver o futuro, não como em uma profecia, viu numa matemática simples, não contaminada por seus subterfúgios. 

Teve a certeza de que não permaneceria naquele estado vegetativo. Já sabia que não estava mais lá. Ilusão não eram os propósitos estabelecidos. Ilusão era inebriar-se de uma desesperança que não era dela. Decidiu deixar para trás. Outro gigante interveio: "Siga o propósito, não o fluxo". Mais um pedaço do resgate se impôs. Inverteu a lógica. Já não era sem tempo.

Escreveu como quem psicografava, como uma usurpação de palavras que não eram dela, mas que por isso mesmo, nunca havia se sentido tão dona de si. Lembrou-se de que não era boa. Como se a bondade que seu estado vegetativo exigia fosse uma forma de corrupção. Que feliz constatação. Pode assumir seus sentimentos obscuros como parte genuína de sua identidade.

"Talvez vendo de fora, saber que bactérias existem, seja mais lindo do que pegar um estafilococos convivendo com elas", disse o terceiro gigante lembrando a acidez de seu humor adormecido. Assumiu os riscos de ser quem era. Estabeleceu o não. Findou sua espera. Amou suas contradições... cada uma delas.

Sentiu algo familiar.... uma emoção esquecida. Estava no controle, lembrou-se que adorava estar no controle. Levantou os braços e fez descer as brumas que atrapalhavam o seu olhar para a Avalon que reservava um outro aspecto de seu destino.

Assumiu sua própria narrativa. Já não estava em disputa a maneira com que descreveria sua história até aqui vivida. Cansou-se das linearidades desencorajadoras nas quais fora rotulada que tiveram um eco perverso devido a sua vulnerabilidade circunstancial.

Matou a esperança cega alicerçada na pseudo vivência de um amor estéril. Os ponteiros do relógio não voltariam para trás.

Estivesse onde estivesse, lembrou-se que pertencia a um todo. Não estava a margem da engrenagem que a movia. 

Eram tantos pertencimentos... a complexidade de seus gigantes, a roda da história, o caos nada sutil que se estabelecera no país continental. Ela pertencia a vida que pulsava por todo lado, pertencia as trincheiras da guerra que estava por vir, pertencia aos amores que já vivera e que ainda viveria, pertencia a todas as emoções existentes, efervescentes, dinâmicas. Era parte do movimento do Universo, compunha o começo, o meio e o fim.

quinta-feira, 6 de abril de 2017

Orange is new black e o protagonismo feminino nas séries Netflix


Orange is the New Black é uma série do Netflix inspirada no livro homônimo que conta a história verídica de Piper Kerman, uma mulher de classe média-alta americana e loira, que vai parar na cadeia por ter sido comparsa de sua ex-namorada traficante. A história mostra o dia a dia das detentas numa prisão de segurança mínima nos Estados Unidos. Claro que o seriado é um pouco mais caricato e romantizado.

O que me chamou atenção é que a série foi criada por uma mulher (Jenji Kohan) com base na história de vida de outra mulher (Piper Kerman) e dispensa clichês. Retrata as questões de gênero e diversidade de maneira primorosa, traz pontos sobre transsexualidade, casais lésbicos, questões raciais. E as contradições da vida na prisão.

 É uma comédia, tem diálogos engraçados, mas é também um drama, uma permanente angústia. Em um dos episódios, meninas menores infratores tem como medida sócio-educativa (usando o termo da legislação brasileira), visitar o presídio e conviver durante uma tarde com as detentas. Então, a tarefa das presas é assustar as adolescentes. Mas há uma menina, cadeirante, que não se assusta, não se deixa enganar pelo "terrorismo" das presas. Enquanto ela está no banheiro chega Pipper, que diz a verdade para a garota. Afirma que a pior coisa de estar presa não era nada daquilo que aparentemente assustava, que demonstravam os esteriótipos, mas sim ter que encarar a si mesma sem distração.

Assistindo o enredo, fiquei pensando o quanto a vida real se parece com a vida prisional em muitos aspectos, fundamentalmente no campo da subjetividade.  O quanto as relações afetivas são o que há de mais importante na vida, onde quer que estejamos. Mas lá, isso é tudo. Fora, temos muitas coisas que nos distraem e alienam, muitos subterfúgios para não encararmos nossos problemas... inclusive assistir Netflix (risos).

Pois é, a série é nesta pegada. Um humor fino, referências pop e diversidade dão o tom. Todas as principais personagens são mulheres. E são complexas. Os homens são coadjuvantes. OINB é realmente uma obra de arte e recomendo que assistam. Mas uma coisa tem me chamado muita atenção em várias séries que tenho acompanhado: o protagonismo feminino. 

Assisti Jéssica Jones, Homeland, The Crown, The Fall, e Orange is new black (espero escrever sobre cada uma delas por aqui), e em todas, a trajetória da percepção das mulheres sobre sua força e sua capacidade de liderar, de resistir as adversidades estão presentes e são marcantes. E isso é muito reconfortante, porque é uma questão que não se via tão facilmente há tempos atrás. Creio que isso deve causar impacto positivo na nossa autoestima, nos vermos representadas no entretenimento que consumimos. É verdade que ainda está muito aquém no que tange a representatividade das mulheres negras. Ao menos nestas séries que citei, todas as protagonistas são brancas. Mas já temos um avanço.

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Deveríamos Todos Ser Feministas


Hoje de manhã li uma matéria no UOL sobre como o machismo atrapalhou a carreira de Isis Valverde devido ao suposto envolvimento dela com Cauã Reimond em 2014, quando ainda estava casado com Grazi Massafera. E apesar de a reportagem ter um tom de fofoca sobre a vida de famosos, tem uma abordagem interessante. Porque falava de algo que as mulheres vivem no cotidiano. Não só no âmbito da carreira, mas em tudo.

Sou uma mulher solteira, com 31 anos e já tive inúmeros relacionamentos. Uns curtos outros mais longos. E em diversos ambientes já sofri preconceitos devido a isso, inclusive em grupos que eu não esperava que fossem assim. Já tive notícias de comentários muito maldosos sobre minha vida particular no ambiente profissional, no âmbito da família, em grupo de amigos e em coletivo militante de partido de esquerda.

E por muito tempo isso me deixou mal. Talvez porque eu carregasse uma certa culpa nesse sentido, devido a uma formação cristã simplista anteriormente estabelecida. Sempre que eu terminava um relacionamento, eu vivia dois sofrimentos... um pelo fim em si, outro pelo auto-julgamento de que mais uma relação não tivera êxito, e que havia algum problema comigo.

Mas aos poucos fui vencendo meus próprios preconceitos. E agora até sofro com os fins dos meus relacionamentos... mas sofro de saudade, de carência, de palavras não ditas, de amor mal resolvido. Mas já não mais por me achar culpada, por não cumprir padrões esperados. Com certeza há problemas comigo, mas nada que fuja do razoável.

E depois que dei esse salto na vida, comecei a reparar menos como esses preconceitos vem por parte de outras pessoas. Ao vencer meus sentimentos de culpa, o que outras pessoas me acusam, parou de importar. O que não significa que não me indigno com algumas coisas.

Para ilustrar... num passado bem recente, fui a uma festa na qual estavam presentes velhos amigos. Dois deles estavam acompanhados de suas esposas, ambos casados há muito tempo. Quando eu cheguei na festa cumprimentei todos os presentes, mas ao abordá-las, ambas mal olharam na minha cara e todas as vezes que eu tentei desenvolver um diálogo com algum deles, elas vinham e os tiravam de perto.

Aquela situação me incomodou, eles são pessoas queridas que eu não via há um bom tempo e realmente gostaria de ter conversado direito. Demorei para perceber o que estava acontecendo. Percebi realmente só depois da festa. Aquelas mulheres foram machistas comigo. Eu uma mulher solteira não deveria estar conversando com os maridos delas. Ainda mais eu... que já tive relacionamentos com pessoas do mesmo círculo deles, "vai que são os próximos a entrarem para minha lista de destruidora de lares, né?!!" Represento uma ameaça. Seria cômico se não fosse trágico.

É trágico porque era um ambiente de pessoas com um nível intelectual bastante razoável. É trágico porque atrapalha minhas relações de amizade e de certa maneira até minhas relações profissionais. É trágico porque essas mulheres são extremamente inseguras e procuram depositar suas frustrações matrimoniais na primeira mulher que elas acham que escolheu trilhar um caminho diferente do delas. É trágico porque elas não são felizes com o caminho que escolheram.

E a verdade é que eu não tenho nada a ver com isso. E acho que o mundo deveria estar mais evoluído e que as mulheres deveriam ser as primeiras a se protegerem. Mas o que ocorre na prática é um ataque gratuito, que reproduz o machismo e a misoginia construída há séculos e séculos atrás. Minha resposta? Bem... fico com as belas palavras de Isis Valverde: "Me delegaram poderes que felizmente não tenho. Relacionamentos se iniciam e acabam com a naturalidade que lhes é peculiar"


terça-feira, 4 de abril de 2017

DESILUSÃO


A vida não nos poupa de nada. Não nos poupa porque não somos especiais. É sempre uma tentação muito grande acreditar que conosco tudo dará certo. Sempre caí nesta tentação de crer que comigo tudo seria diferente, mas descobri a tempo que não é nada disso.

Acho que sou de uma geração em que todo mundo acreditava ser uma criança prodígio com garantia de sucesso na vida adulta, principalmente essa turma da classe média em que nossos pais batalharam muito para que fossemos alguém na vida.

Imaginávamos carreiras meteóricas, amores eternos, famílias Doriana, casais nos quais as mulheres empoderadas seriam admiradas pelos seus maridos desconstruidões e vice versa, sucesso profissional e pessoal pleno aos trinta e poucos anos. Mas a realidade é bem diferente.

Somos uma geração como qualquer outra, guardadas as devidas dimensões. A verdade é que as mulheres empoderadas não tem tanto poder e firmeza nas suas decisões assim, os caras desconstruidões não são muito diferentes de seus pais no âmbito doméstico e no apoio a sua companheira, nossos relacionamentos não deram certo, boa parte de quem se casou aos vinte e poucos está se separando ou infeliz no relacionamento aos trinta e nós até temos uma carreira, mas não é meteórica e não nos faz tão feliz assim, com raras exceções.

No início, quando eu comecei a refletir sobre isso, quando perdi um bom tanto das minhas fantasias comigo mesma, eu achava que as coisas tinham dado errado só para mim... então comecei a fazer uma pesquisa de campo, e a partir de uma amostragem bem grande, concluí que nem nas coisas negativas sou especial. Sinto que a palavra de ordem da minha geração é DESILUSÃO. 

O que mais encontro por aí é gente com idade por volta dos trinta sem esperanças. E a verdade é que eu estou numa luta pessoal homérica para não entrar completamente nessa frequência. Por um lado acho muito importante entendermos que não somos especiais e que a vida é trabalho duro, cheia de erros e acertos. Mas por outro lado, se não colocarmos algo mais maduro no lugar das nossas ilusões infantis quebradas, vamos deprimir e permanecer no limbo de nós mesmos.

O problema é que está muito difícil de encontrar algo que substitua as minhas ilusões, de realmente encontrar esperança. Sou escolada demais no assunto de relacionamento e feminismo para crer que algo deste âmbito me preencherá esses vazios. Já estou no mercado de trabalho por tempo suficiente para saber que nenhum emprego será mil maravilhas e a razão do meu viver. E no que tange a coletividade, as questões políticas, nunca vivi um tempo pior em que me faltasse tanto motivação para participar de qualquer coisa.

Sou crente, professo a fé cristã, e isso me consola em muitos aspectos da vida, e para além desta vida aqui... mas a forma com que creio em Deus não gera realmente um lugar quentinho para acalmar meu coração, as vezes ao contrário, me recorda mais uma vez de que esse mundo tem uma lógica e ela será seguida e que eu não sou especial.

Talvez a saída esteja próxima dos amigos que fazemos, dos vínculos que construímos, o que ainda me gera grande alegria. Talvez quem tenha filhos se sinta um pouco melhor porque se essa geração não der certo, você pode estar contribuindo com a próxima... mas não tenho certeza e acho que ter filho deve dar um medo infinito.

Aliás, acho que estou me acostumando a não ter respostas. Não acredito mais em revolução socialista. Não acredito mais em "felizes para sempre". Não acredito mais que a realização profissional me fará feliz. Não acredito mais que eu sou especial e que vim ao mundo para fazer algo absolutamente relevante. Talvez eu agora esteja no caminho certo, e quando eu achar algo novo para acreditar, não seja uma ilusão. Mas esse momento em que grandes sonhos não estão na pauta do dia, é realmente muito dolorido.

segunda-feira, 3 de abril de 2017

Ciúme: principal motivação da violência doméstica



Há quem diga que o amor nada mais é do que um encontro de sintomas. E acho que no geral, isso é muito sábio. Atendo vítimas de violência doméstica todos os dias, só hoje pela manhã foram mais de cinco casos. E, não por coincidência, as histórias eram muito parecidas.

Um casamento ou união estável que durou quase uma década, estão separados a pouco tempo, alguns meses, e então um deles começa a viver sua própria vida e outro surta. Começam a se pertubar, perseguir, ameaçar e as vezes até agredir.

Aí, diante dessas histórias, depois de longo diálogo com cada uma das mulheres que se apresentam como vítimas, eu fico pensando o que se passava no dia a dia dessas relações. E em como o sentimento de posse estava no alicerce do relacionamento. É óbvio que qualquer análise relacional que se faça sobre o tema, não diminui a gravidade dos crimes em questão. Mulheres são vítimas de violência doméstica a partir de uma construção histórico-social que as coloca na posição de vítima.

No entanto, isso não exclui o fato de que em ambos os pólos dessas relações, existe legitimação da opressão. O fato é que o homem leva vantagem, pelo empoderamento social que tem e pela força física e por outras coisas também. Mas isso não encerra a questão relacional. Pois, o sentimento de posse que está como pano de fundo das relações é reciprocamente construído. 

Tanto isso é verdade, que mesmo após a denuncia, a liberação da medida protetiva, o inquérito policial, a maioria das mulheres (maioria esmagadora, mais de 80 % delas) volta para o companheiro que denunciou.  E muitas são mulheres bem esclarecidas, tem apoio de suas famílias e mesmo assim retomam relacionamentos nos quais foram agredidas.

Então reflito... não acredito que isso seja apenas devido a opressão histórico-social, que elas voltem. Muitas relatam inclusive, depois de desistirem do procedimento, que agrediram seus companheiros também, os ameaçaram e xingaram. É delicado atender crimes que ao detalhar os fatos, as motivações são subjetivas e não ficam claras, mas a posse que ambos os lados sentem um pelo outro, sempre aparece de alguma maneira nas declarações para a polícia.

O ciúme é o principal motivo da maior parte das agressões. Mas o interessante disso, é que o ciúme é tratado socialmente como uma coisa boa, uma prova de amor. Já vi casais brigarem porque um diz que o outro não sente ciúmes e por isso não o ama. Novelas retratam o ciúme de forma natural. Cria-se então uma imensa contradição. A sociedade pinta o ciúme de cores belas... e é o ciúme o principal elemento motivador da violência doméstica...

Ai retomo a citação inicial, se crescemos e aprendemos que sentimento de posse e amor são a mesma coisa, é óbvio que amar alguém se torna algo nada mais do que um encontro de sintomas de gente doente que aprendeu que se relacionar é controlar, é segurança para si mesmo. E por isso me pergunto como, se quase todo mundo, mesmo quem tem maiores capacidades de abstração, tem sua percepção relacional pautada nessa cultura de posse, diferenciar amor dessas contaminações mesquinhas?