terça-feira, 14 de março de 2017

Dialética: o tesouro que a esquerda abandonou?



Sócrates, Platão, Aristóteles, Hegel, Engels e Marx foram os principais filósofos a refletirem sobre a dialética. A dialética é a estrutura contraditória do real, que no seu movimento constituído passa por três fases: a tese, a antítese e a síntese. Ou seja, o movimento da realidade se aplica pelo antagonismo entre o movimento da tese e o da antítese, cuja contradição deve ser superada pela síntese.

Além da contrariedade dinâmica do real, outra categoria fundamental para entender a dialética é a totalidade, pela qual o todo predomina sobre as partes que o constituem. Isto significa que as coisas estão em constante relação recíproca, e nenhum fenômeno da natureza  ou do pensamento pode ser compreendido isoladamente fora dos fenômenos que o rodeiam. Os fatos não são átomos, mas pertencem a um todo dialético e como tal fazem parte de uma estrutura.

Portanto, a dialética como método de análise tanto da natureza, quanto das ações humanas, parte do princípio que não há mudanças ou transformações sem que haja um grande envolvimento das partes e sem que suas naturezas sejam modificadas. Uma vez síntese, nem tese e nem antítese existem mais, passam a doar suas essências para a constituição de um todo.

Segundo Karl Marx, existem três leis da dialética:

1 - Lei da passagem da quantidade à qualidade - o processo de transformação das coisas se faz por "saltos". Mudanças mínimas de quantidade vão se acrescentando e provocam, em determinado momento, uma mudança qualitativa.

2 - Lei da interpretação dos contrários - a dialética considera a contradição inerente a realidade das coisas. E justamente a contradição é a força motriz que provoca o movimento e a transformação. A contradição é o atrito, a luta que surge entre os contrários. Mas os dois pólos contrários são também inseparáveis, e a isso chamamos unidade dos contrários, pois mesmo em oposição estão em relação recíproca. Por estarem em luta, há a geração do novo.

3 - Lei da negação da negação - da interação das forças contraditórias em que uma nega a outra, deriva um terceiro momento: a negação da negação, ou seja, a síntese, que é o surgimento do novo. Tese, antítese, síntese, eis a triade que explica o movimento do mundo e do pensamento.

E segundo o que aprendi desde o início da minha militância na adolescência, a dialética é a pedra angular da esquerda, conceito ampliado por Marx, constituindo o materialismo dialético e o materialismo histórico. Razão pela qual me apaixonei pela política. Uma perspectiva que vê o mundo de maneira dinâmica, em constante transformação e interação, ganhou meu coração. 

No entanto, o que tenho assistido nos últimos tempos não tem nada a ver com a dialética, com considerar a contradição a força motriz da evolução, com a valorização dos argumentos para a construção de um mundo diferente. Muitos dos meus conhecidos de esquerda no último fim de semana crucificaram o professor Leandro Karnal devido a sua foto com juiz Sérgio Moro num jantar, postado nas redes sociais. Confesso que fiquei assustada com a repercussão. Pois tais manifestações não tiveram nenhuma relação com a esquerda que me apaixonei, foi somente ódio.

Na minha trajetória de militância, lembro que uma das coisas mais interessantes que fazíamos era dialogar com os adversários. Que por mais que tivessem opiniões contrárias, estavam posicionados em cenários similares com os nossos, e portanto, acabavam por ter sentimentos também similares. No tempo de movimento estudantil fiz muitos amigos com opiniões políticas divergentes das minhas, e isso era algo tranquilo, carregado de empatia e afetividade, e também explicado pelo processo dialético.

Mas Leandro Karnal não foi o único... há tempos tenho percebido diversos movimentos nesta mesma corrente, posições radicalizadas no pior sentido. Muitas pessoas com esteriótipos de intelectuais, "entendidos" de determinados assuntos que afirmam suas ideias de maneira muito intolerante. Isso tanto na militância partidária, como também nos segmentos identitários. E que quando alguém discorda de seus argumentos, acaba se tornando persona não grata.

Vejo isso com relação a algumas companheiras que discutem o feminismo, de maneira intolerante, personificada, sem uma leitura de que somos construções sociais, crendo que todos deveriam ter o mesmo entendimento que elas da questão, como se sua utopia particular tivesse que ser algo absorvido por todos imediatamente, sem perceber que isso só é possível de forma coletiva e com alguma dose de paciência histórica. Vejo isso também no que tange a discussão do racismo e da apropriação cultural, quando alguns discursos desejam proibir brancos de usarem turbantes. Para mim isso não faz sentido, e não vejo como tais proibições podem contribuir com a luta por uma sociedade melhor.

Sinceramente, esses que quiseram crucificar Karnal por um jantar com Moro, são bem parecidos com aquilo que mais criticam. Tais colegas não se diferem muito de "bolsonaros" às avessas, e não acredito que seriam capazes de liderar nosso país na construção de uma sociedade mais justa. Eu gostaria de jantar com Sérgio Moro, e se eu dissesse aqui o que realmente penso sobre ele, neste clima de ódio, eu seria proibida de participar de qualquer movimentação promovida pela esquerda.

Tenho mais medo dessa gente intolerante travestida de intelectual, do que de intolerantes assumidos. Temo que a esquerda tenha aberto mão de seu bem mais precioso, sua capacidade reflexiva, relacional, empática e de diálogo, expressas no processo dialético. E se isso for verdade, nos resta pouca esperança.




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