segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Sobre as coisas do cotidiano


Era como a morte de alguém vivo,
Que na verdade levava consigo, 
Uma boa parte dela.
Entre uma alegria e outra, 
A infinita dor e a lembrança, 
Entre os prós e os contras, 
Uma persistente tentativa
De matar a esperança. 
Sobre as coisas do cotidiano, 
Como nos clichês românticos, 
Tudo lembrava ele. 
Os elementos da trivialidade da vida, 
O brinco que mais gostava, 
Aquele assunto que só ele falava
Os travesseiros da sua cama, 
Na gaveta, aquele pijama...


segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Sobre mim, a política e meus vazios...

             
              Durante 17 anos, isso é, toda a minha vida adulta, tive a política em meu horizonte. Aprendi a ver o mundo através desta lente. No início, devido a proximidade com o Partido Comunista, minha visão se vinculava quase exclusivamente ao viés marxista, depois no PT, isso acabou se ampliando para outros campos de análise. 
             No ensino médio, participei do movimento estudantil secundarista, tanto no grêmio como na UMES. Na Universidade, continuei no movimento. Ao me formar, mergulhei na militância de juventude partidária. Também sempre fui feminista e participei de diversas instâncias dos movimentos de mulheres. Fui membro de conselhos municipais em Maringá, conselho da mulher e conselho de saúde. Fui secretária de juventude do PT-PR, depois trabalhei no PT Nacional em 2012, acompanhando as eleições municipais. Participei da executiva estadual do PT e por fim, em 2016 fui candidata a vereadora, tendo feito 432 votos.
              E não, não estou escrevendo isso para ser candidata a qualquer coisa... apenas quero contextualizar meu prezado leitor ou prezada leitora que aqui estiver. 
              Mas o fato é que durante esses dezessete anos, a política sempre foi absolutamente apaixonante para mim. Era potencializadora da minha energia como se tivesse um efeito mágico. Esse efeito se dava por diversos mecanismos. Primeiro pela representação da utopia, pela esperança que me trazia e a noção de que minha militância representava a construção de uma outra sociedade. Segundo, por que a política e seu fazer coletivo me davam identidade, sempre bebi das fontes das instituições, me relacionava com as pessoas a partir deste viés. Terceiro, por que através desta participação eu me tornava incomum, alguém que fazia mais do que apenas existir, sobreviver. Enfim, poderia elencar aqui centenas de coisas.
              Acontece que depois da campanha e de todos estes anos de participação, de dedicação de mais de uma década e meia, não sinto a política da mesma forma que eu sentia. No início do pós-campanha cheguei a pensar que eu apenas estava de ressaca (e como faz só quatro meses talvez ainda esteja), mas agora começo a pensar que não.
             Construí minha identidade toda através deste instrumento, e sei que o golpe contra o governo da Dilma, além de ter um grande impacto social, também impacta profundamente minha vida pessoal, pois quando penso nisso, sinto uma dor particular, tenho uma ferida na alma ao ver o partido que faço parte há tantos anos sendo atacado como se fosse uma organização de bandidos. Quando vejo os nossos direitos conquistados escorrendo pelo ralo sofro como sofro ao ser ferida por alguém muito próximo, carrego comigo uma profunda angústia frente a tudo isso.
             Sei que as relações de poder são complexas, sei que há grandes equívocos na atuação da esquerda, mas entendo também as origens de tudo isso, e não acho que o PT está pagando um preço somente pelos seus equívocos, mas sim e principalmente, paga um preço pelos seus acertos e pelo lado que escolheu estar.
             Mas mesmo com todo esse entendimento, tenho tido grande dificuldade de enxergar poesia na atuação política. No último fim de semana fui ao encontro da juventude do PT de Cascavel. Um evento lindíssimo, com aproximadamente setenta jovens, muito animados para a militância. Pessoas com imensos talentos, com fruição para  arte, com produção cultural, associando tudo isso a luta política. 
            No entanto, mesmo presenciando tal evento, não me senti motivada a voltar. Achei que talvez em contato com algo tão bom, eu pudesse sentir de novo aquele frio na barriga, aquela esperança intensa, mas não veio. Fiz bons amigos lá, conversei sensivelmente com várias pessoas, e se elas precisarem de mim, não tenho problemas em ajudá-las. Mas meus olhos não brilham mais... acho que não estou com ressaca devido a derrota, algo mudou dentro de mim, um ciclo se fechou. Não vejo maneiras de resignificar esta relação. Não há caminhos para reciclar esse amor... e eu sinto muito por isso.
           Não sei ao certo o que fazer com este imenso vazio. Tudo aberto, tudo a zero.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Relações Objeto-Ídolo

                  
               Tenho feito diversas reflexões sobre o amor, buscando referências neste sentido, além de minhas experiências nessa questão. Há um rabido, o qual já citei aqui no blog, Nilton Bonder, que escreve muito sobre este tema, a partir de uma visão da Cabala e da Torat (ou Pentateucos para os cristãos).
                  Em um de seus livros, Bonder diz que somos seres capazes de alcançar entendimento em quatro planos da vida, o plano material, o plano anímico-racional, o plano espiritual e o plano divino.
                   Sendo assim, ele fala de um dos principais mandamentos bíblicos sobre o amor: "Ama teu próximo como a ti mesmo". E propõe como progressivamente esse mandamento pode ser entendido em cada um dos planos. 
                  Afirma que no plano material (que é também o mais rudimentar deles) o exercício de amar o outro deveria começar com: "odeia o teu próximo como a ti mesmo". Ele exemplifica bem, digamos que você esteja no trânsito e alguém faça uma "barberagem", imediatamente seu ódio vem à tona, junto com uma vontade de xingar, buzinar... então, quando isso ocorrer, ele nos convida a questionar se, caso fossemos nós que tivéssemos cometido tal infração, se nos odiaríamos, como somos capazes de odiar o outro. 
             No plano anímico-racional, que inclui nossas emoções e racionalidades, o mandamento poderia ser traduzido como: "não faça para o outro o que você não quer que seja feito a você". Neste caso, fica evidente a racionalidade da questão, o conceito de empatia, e a ética para uma boa convivência, tipo... trate como você deseja ser tratado. 
               No plano espiritual, o mandamento não tem tradução, é ele mesmo: "Ama teu próximo como a ti mesmo". E neste caso, estamos falando de algo maior que empatia, e não só de amar o outro, mas principalmente de amar a si mesmo... só podemos oferecer ao outro o recurso que temos em nós (e na verdade este é o tema do texto que daqui a pouco será mais clarificado). 
                E por último, no plano divido, o mandamento já não é mais mandamento, é parte do ser: "Eu amo o outro porque o outro sou eu, e nós somos o todo". Aqui mora uma percepção de que somos micro parte de um macrocosmos, e que não há vida ou existência sem relação.
              Pois bem, depois desta longa introdução, quero voltar ao conceito fundamental, "ama teu próximo como a ti mesmo". Como eu já disse acima, amar o outro exige amor próprio e obviamente isso está em jogo neste conceito. Ocorre que ao observar meu longo conjunto de relações romantico-afetivas, percebi ter havido nelas um desvio deste equilíbrio. E onde podem ser localizados tais desvios? Bem... ai vamos nós. Acho que muitas relações que deveriam ser de amor, estão em outra base, a relação Objeto-Ídolo.
                A relação Objeto-Ídolo ocorre quase sempre quando não há equilíbrio entre o amor próprio e o amor dedicado ao outro. Ao nos sentirmos maior que o outro na relação, nós o submetemos as nossas vontades, caso o outro permaneça na submissão, então, este passa a nos idolatrar, e nós a tratá-lo como um objeto. E objetos não tem suas vontades respeitadas, suas queixas ouvidas. Objetos devem ficar onde estão e servem apenas para serem usados.
             O contrário também é verdadeiro, quando idolatramos alguém, por mais que nossa identidade esteja usurpada naquela relação, pensamos que todo sacrifício vale a pena para estarmos ao lado daquela pessoa, negociamos nossos valores, escondemos nossos desejos e vontades, afinal, para nós, aquele ser é uma espécie de deus, e não há nada mais importante do que contemplá-lo e agradá-lo.
            Não acho que essa relação seja linear. As vezes somos ídolos numa mesma relação que outras vezes somos objeto. Mas o fato é que toda submissão obtida por vias subjetivas, emocionais, é uma forma de objetificação e idolatria. Há pessoas que não tem amor próprio, possuem apenas um ego desenvolvido, e conseguem submeter o outro, submetendo-o a adorá-lo. E há pessoas que também não tem amor próprio, e que permanentemente se colocam como objeto, adorando o outro numa relação. Mas creio que na maior parte dos casos isso está bem bagunçado dentro de nós... as vezes somos ídolos outras vezes somos objetos.
         Mas a tristeza de tudo isso é que raramente somos pessoas, amando o outro como a nós mesmos, deixando claro nossos limites e respeitando os limites do outro. Acho que este é o grande desafio relacional. Tanto uma posição como  outra aqui demonstrada são formas de desumanização.
            Ao chegar nesta elaboração, e olhar para as minhas relações romantico-afetivas sobre este viés, percebo o quanto tudo isso se aplica a mim, o quanto eu me fiz ídolo e me fiz objeto nas minhas relações. Ou eu considerava o cara superior e me submetia, negociando valores e me anulando para estar ao seu lado, ou ainda, o considerava um objeto, retirando-lhe a humanidade a meu bel prazer. É preciso outro tipo de aprendizado, a construção de um equilíbrio entre se amar e oferecer amor. Independente de quem for o outro, o que ele tenha, ou a trajetória que tenha percorrido, não podemos lhe ignorar que ele é tão pessoa como nós.
                Talvez esse conceito não se aplique somente ao tipo de relações aqui abordadas, mas a todas. Nos sentimos inferiores ao quê ou a quem quer que seja quando tornamos o outro ou aquilo um deus. Nos intimidamos com a casa do outro que é melhor que a nossa, com um emprego que é melhor que o nosso, com uma aparência melhor que a nossa... essa sensação, seja de inveja ou admiração, é idólatra... pois nos inferioriza e objetifica, retiramos assim a humanidade que nos identifica.
            Ama o teu próximo como a ti mesmo, um conceito simples... simples de tão complexo que é!!!

sábado, 14 de janeiro de 2017

A Cristaleira e os Cristais


Minha avó dizia que só se muda ou se vai embora de algum lugar depois que embalamos a cristaleira. Não por qualquer motivo místico ou por ser necessariamente a última coisa a ser embalada, mas porque ao embalarmos os cristais, um a um, com todo o cuidado do mundo que eles exigem, meditamos, e talvez antes de terminarmos de embrulhar todos, há ainda a possibilidade de desistir da partida. Como guardava uma imensa sabedoria minha avó.
E não por acaso, herdei a cristaleira dela, com todos os cristais que ela ganhou de presente de casamento. E a cristaleira dela já é minha há seis anos, desde a sua morte. E acho que esse objeto guarda um significado muito grande. Além de ser lindo e retrô, também é um símbolo das nossas raízes, da nossa paz e equilíbrio. 
Não é simples ter uma cristaleira... exige poucas mudanças de lugar, não se pode mudar de casa todo ano e ter uma cristaleira, os cristais acabarão por quebrar num contexto assim. Também para se ter uma cristaleira, é preciso que todos na casa saibam que esse objeto tem algo de sagrado, que os cristais só devem ser usados em ocasiões especiais e com moderação, cuidado extremo, comemorações importantes, jantares íntimos. 
A cristaleira guarda a alma de uma casa, é metáfora da gente, é frágil, vulnerável, mas se bem cuidada, pode durar séculos. Eu realmente não sei há quantos anos a cristaleira que herdei da minha avó existe... mas tenho orgulho de tê-la e saber que ela permanecerá comigo.
Literalmente, há algum tempo não embrulho meus cristais, permanecem e permanecerão no mesmo lugar, e isso me alegra muito. Simbolicamente, os estou embrulhando, não sei se chegarei ao fim, possivelmente. Medito!!!

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Nem vítimas, nem vilões...

                   
                                  São tantos os detalhes e fatos que envolvem os relacionamentos românticos afetivos que ao pensar em tudo chego a cansar. Tive vários relacionamentos dessa natureza, e há pouco tempo, encerrei mais um. Estou em fase de digestão, elaboração, reconfiguração dos meus sentimentos e impressões sobre os significados disso tudo. E este não é um processo fácil, portanto, estou gastando meus recursos internos para superar. E escrever ajuda muito, e por isso, cá estou. 
                               Obviamente, como todo fim de relacionamento, a gente tende a criar mágoas, se sente enganado, e talvez até tenha motivos para isso. Mas minhas elaborações começam a ir por outro caminho. É preciso entender que não há vítimas nem vilões, mesmo que o outro tenha agido errado, creio que acabamos por legitimar essas ações, permitir que alguém faça algo conosco que usurpe a nossa identidade nos faz partícipes de tudo. E então, assumo a minha responsabilidade.
                            Neste meu caso específico, isso é muito claro. Desde o começo, intui que haviam coisas que não estavam em seu devido lugar, não eram compatíveis e por motivações das mais diversas naturezas, fechei meus olhos e minha intuição para tudo. Não agi com a devida cautela comigo mesma. Talvez porque eu não estivesse pronta para enfrentar algumas coisas... e tudo bem. No entanto, existem muitas faces desta história e alguns aprendizados que desejo levar comigo. 
                          Primeiro, os bons momentos não podem ser apagados, inclusive porque tentar negá-los é criar armadilhas para si mesma. Estruturar as coisas apenas no pólo negativo, é não estruturar nada direito e correr o risco de se encontrar com os mesmos problemas logo mais a frente, seja com a mesma pessoa ou com outra, reproduzindo padrões.
                       Segundo, não quero me permitir entrar em baixas frequências, tipo, nutrir mágoas, ter que odiar o outro para superar sua falta. É claro que a falta, a saudade, o costume com a presença da pessoa que esteve na minha vida por um ano, persistirá por algum tempo, me visitará nas manhãs de domingo, nas atividades que costumávamos fazer juntos... mas isso não é motivo para odiar, ter raiva ou me encher de mágoas. Talvez o segredo esteja em não dar lugar ao medo, ao auto-julgamento perverso, não ter medo de estar triste torna a tristeza bem mais suportável.
                          Terceiro, justamente para não negar a minha própria história e nem entrar em estado de mágoa, acho que o mais importante é cultivar o amor. A única forma de evitar baixas frequências é através dele. E foi inclusive por não poder amar de verdade que saí da relação. Então, cultivar o amor pela vida, o amor próprio, o amor pelas pessoas, é fundamental. E além disso, é preciso continuar acreditando no amor, acreditar que o mundo é grande, que há pessoas incríveis dispostas a amar. 
                       Quarto, não ter pressa. Não costumo ser uma pessoa que sofre com ansiedade. Mas tenho metabolismo rápido em todos os sentidos. Por isso, é quase inimaginável para mim sofrer por algo muito tempo... tenho um apego muito grande por ser feliz, alegre, por estar bem. Costumo significar essa característica minha como algo positivo, mas quero estar atenta, para que isso não se torne uma armadilha,então pretendo cultivar minha paciência comigo, olhar para os meus sentimentos com honestidade, verdade, calma.
                E quinto e por fim, desconstruir o  pensamento que este ou outros relacionamentos "não deram certo". Já recebi diversos julgamentos de muitas pessoas por ser alguém que já teve vários namoros ou coisa parecida, como se isso representasse um fracasso. Na verdade, acho que fracasso é permanecer em uma relação negando a si mesmo ou negando a possibilidade de crescimento ao outro. Meus relacionamentos foram muitos, e a maioria deles deram certo sim. Este último, deu certo por um ano... fomos felizes, quando deixei de ser feliz ao lado dele, parti. Sem mais.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

"Quando tudo demora em ser tão ruim..."

Aquela tristeza era como um pêndulo, indo e voltando... num ritmo que ela podia prever. Mas tinha um tom diferente de outras coisas que estava acostumada a sentir. Era uma tristeza cercada de paz. Não era aquele sofrimento perturbador... era um vazio que ia e voltava, mas que ela ia preenchendo com suas sinapses, entendendo como tudo havia sido. Tinha memórias demais dos fatos que havia vivido com ele. As lembranças pulsavam ao seu redor, quase toda música, objeto, cheiro... carregava um pouco dele. Obviamente, as lembranças ruins , a forma como legitimara o silêncio entre eles, motivos que sustentaram o fim... eram mais vivas, parte natural de toda a superação... ao invés de negá-las, ela dava asas a elas... dava asas também as coisas boas que tinha vivido ao lado dele, procurava evitar armadilhas, não negar sua própria história... para que mais tarde nenhum resquício de dor pudesse traí-la. Triste desafio, colocar cada coisa em seu lugar. De repente passou a entender tantas coisas que não faziam sentido antes, posições de outras pessoas na história toda, decisões incompreensíveis de terceiras. Solidarizou-se com todas elas... sentiu o que poderia ser de si mesma se permanecesse ao olhar o retrato da outra... justo a outra, cujo nome ele confundiu com o dela, era muito do que não desejava ser. E não seria, porque sabia quem era... seguia... entre uma música do Caetano e outra, sentia... dava-lhe adeus. Era como destruir um ídolo, descontruir uma admiração nutrida por praticamente toda a sua vida adulta. Não negava a ele qualidades, mas sabia cada momento em que ele havia escondido a verdade... tentava digerir o seu inconformismo diante de tudo o que ele havia relatado em tantos anos, os padrões que ele afirmava desejar mudar, ele dizia querer um relacionamento regado a poesia, magia, cumplicidade... negou a ela cada um desses elementos, ofereceu-lhe um silêncio frio, vazio de sabor, uma relação embevecida de fugas, de elementos clichês. Em outros tempos, passavam tardes inteiras a dialogar com gosto, verdade... depois passara a pejorativizar qualquer diálogo sincero, chamando de discussão ou outro termo banal qualquer. E assim, pensando nessas coisas, com calma, com amor por si mesma, com uma fruição profunda da tristeza de um mundo inteiro dentro dela, se despedia dele... para não mais reencontrá-lo.