quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Entre o Gelo e o Fogo


Entre os riscos e os afetos nasciam estéticas que demandavam salvaguardas, frágeis como cristais. Um equilíbrio que dependia de dosagens refinadas e mudanças sistêmicas por vezes proliferavam, de fato, a desorientação e a impotência. 

Já que os pensamentos heréticos conduziam ao profundo exílio dentro de si mesma. Gozava de algo que poderia chamar de um despertar em breves momentos, uma alegria transitiva e transitória, reivindicativa de hipóteses, perseguia o rastro de perfumes exalados de gostos que se renovavam mas que também lhe confundiam entre tantos zumbidos existenciais. 

Superestimações idólatras evidenciavam quesitos que qualificavam e desqualificavam a vida, questionando a autonomia como um bem absoluto. Outros aspectos avassalavam o pensamento questionando se o futuro outrora previsto, existiria. 

A perda do viço existencial, a distância do apogeu do regozijo, a impossibilidade da surpresa, a artificialidade da celebração remota, o ciclo vicioso de padecimentos, o prenuncio do gozo não consumado, o olhar esperançoso não contemplado, a confusão entre o riso e o choro, traduzia a vida entre o gelo e o fogo!

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Nunca Mais Primordial


Daqui tudo parecia tão longe... 
Os olhos não viam mais o que lhes eram antes sua imagem principal. 
A imagem que se desdobrara em tantos aspectos, nunca mais primordial. 
Hoje sem luz, sem eco!
Os dias se passaram como séculos e séculos, 
Confirmando a relatividade ou talvez até mesmo a inexistência do tempo. 
Negando tudo o que antes fora traduzido como o critério de bom senso.
E o lastro do caminho percorrido, a poeira do que já havia ido, 
Era tudo que restara.
A densidade virou nada. A intensidade dissipada. A eternidade calada...
Cada palavra, negada. Cada narrativa, mentira. A velha terra, arrasada. 
Instala uma nova era... 
Foi-se o tempo, o mundo gira e logo chega uma nova primavera. Pensava ela...
Espera, espera... talvez reste alguma saudade... alguma meia verdade...
A poesia...? Que mesmo na memória atravessada pela espada envenenada e forte,
Talvez com algum norte nos visite... nos lance alguma sorte.
A arte? O estandarte transcendente. Tão crente. Mas no fundo, o retrato da morte.

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Monólogo


As sensações pareciam ser sobre as vestes que não tinha para se adequar naquele dia... os tecidos que repousavam por uma camada mais profunda do que a sua pele material, causavam desconforto e uma quase dor. Diante de sujeitos atuantes e padecentes, rudimentarmente fazedores de regras tão velhas e ineficazes, o paradoxo apresentado era quase isento de sentido. Explicações objetivas do óbvio eram desacreditadas por representações correntes. E apesar de as sensações serem indubitavelmente pessoais, localizavam-se em um substrato psíquico historicamente elaborado, originariamente provindo de conteúdos em estados reprimidos ou esquecidos. Uma onda avassaladora logo se apropriava e estragava a frágil e inconstante plenitude do ser. As suas vestes estavam inadequadas? Ou a ocasião era ausente de sentido para além do espelho social. O que era real... o encontro socialmente determinado ou a simplicidade de sua vestimenta questionada? Atenta... nem tanto. Limites dialogados tardiamente geravam uma imagem de aparência inconsequente veementemente não aceita. Mas não, a loucura não era a inversão da lógica, a insanidade estava na lógica em si. Contradição. Perturbações oníricas. Inadequação. Sapatos apertados, vestidos incômodos, estojos pequenos demais... relações precárias que não retornavam ecos necessários. Os ecos não eram inexistentes, mas distorcidos, insuficientes, simplórios diante de uma demanda complexificada ao longo dos anos. A base nunca era a sua medida, mas a medida do outro se impunha como referencial. Uma identidade permanentemente questionada. E além disso, não entendida, não escutada. O mundo não era um lar, um lugar de acolhimento, lhe parecia mais um palco cujo único espetáculo vigente era o monólogo de alguém desconhecido, despreparado e completamente desinteressante. 

sexta-feira, 17 de maio de 2019

Desconfiguração


Os seus sentidos foram capazes de captar a desconfiguração do corpo alheio. Um querer incompatível com o poder. Um poder exercido nos marcos da suavidade, não exatamente determinado pelo exercício da vontade. Uma energia sutilmente amarga denunciava que algo estava fora do lugar. Mas, pequenos detalhes de deleite e incômodo pulsavam-lhe também a percepção. E era bom! Bom por agora, bom por hora... bom para ela. Aqueles sentimentos que cumpriam com maestria o seu papel. Qual papel? O de impulsionar sua criatividade, de construir outras formas de linguagem, de rememorar a necessidade de uma vida em movimento, um convite a não obviedade da história. Era bom lidar com uma pulsão tão peculiar, tão diferente. Com um tom de comicidade e ao mesmo tempo eloquente. No entanto, nada era verdade, assim como também não era mentira. Apenas era, foi, esteve, talvez um dia volte. Talvez um grande azar, talvez nada,  talvez uma sorte. Talvez a energia amarga e sutil fosse um anúncio de morte.

terça-feira, 19 de março de 2019

Angústias Milenares


Passagens milenares se colocam no diálogo do agora. Quantos indivíduos trocaram energias similares em outros tempos e contextos, embevecidos das mesmas angústias? O rigor da articulação das palavras nos é próprio e peculiar, mas o conteúdo possivelmente não. Sinto nas expressões de Beauvoir a mesma dor ao questionar os privilégios de Sartre, e através dele, questionar a metade privilegiada do mundo todo, entregando a nós, de seu infinito interno, um tesouro sem precedentes. Talvez também nos diários de Zelda contivesse tal energia no confronto a F. Scott Fritzgerald que além de silenciar, roubava-lhe as palavras... Ah quantas palavras nos são constantemente roubadas, eles tiram daqui e levam para lá, roubam de lá e trazem pra cá... Confronto misturado, movimento por dentro do próprio movimento. E no Conto de Aia, e nas histórias de Virgínia Woolf, e em cada postagem angustiada querendo mudar o mundo de cada uma destas mulheres que em algum dia e em algum lugar perceberam que o mundo não é bom para nós. Na verdade mais que isso, perceberam e puderam dar nomes aos seus monstros, algozes, angústias. Poder de representações, que coisa poderosa são as palavras, quando são escutadas, é claro! O que, em nosso caso, é raro! Mas a palavra essencial é também silêncio, ou talvez totalmente o silêncio, presença serena do nada criativo. Confesso que as vezes gostaria de gozar deste lugar... me sinto cansada de tanto falar. Exausta é a palavra. Gostaria que meu silêncio fosse escutado como o silêncio deles o é. Mas se eu não falar, gritar, confrontar eu não existo. Minha existência precisa ser constantemente provada, nunca se deixar determinar, porque é o tempo todo determinada, determinada a retraimento e ausência de mim mesma, a ser preenchida por eles, com suas pretensões de onipotência... existência que nasceu determinada por aquilo que não sou. Empenhos de perguntar e desempenhos de responder.... jogo infinito de linguagem se transformou em nossa única saída, das profundezas dos pressupostos, uma cadência regular, uma precarização relacional para relacionar. Nas constelações de junturas dinâmicas... eu sustento o meu ser, mas junto a mim se encontra o meu querer transformar o mundo contestado por meu amor por você!

Ilustração de Joaquim Cartaxo

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Presença


Havia mil questões que talvez se pudesse indagar. 
Problemas e especulações, 
Temas restritos tomados por objetos de investigações. 
Emoções outrora pormenorizadas, 
Davam lugar a atitudes menos comprometedoras. 
Observações pertinentes criavam um cenário de recepções de afabilidade, 
Revelando-os como partes perfeitamente contínuas. 
Em estruturas sublimes, como também ridículas. 
Alguns pontos do mundo dos sentidos eram diligentemente procurados... 
Outros ainda resistentes a explicação. 
O alcance da memória, apesar dos incômodos, traduzia satisfação. 
A metáfora expressava agora a literalidade de antes 
Ou a metáfora de antes se expandia no agora em outros temas e expressões? 
Possibilidades emanavam das novas vontades desconhecidas.
Estímulos ressignificados em um poder barroco, 
Um tanto sagrado, e um tanto mais profano. 
E o engano, inicialmente deu lugar a um desengano... 
E aos poucos foi substituído por uma satisfação despretensiosa.  
Sendo assim, o que antes estava no campo da ausência mesmo estando ao alcance, 
Tornou-se uma presença, presente, serena, perene, ainda que distante. 

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Ai...


Ai de mim...
Ai de mim que acreditei tanto. Cuja decepção pulsa, que me sinto ferida, invadida, machuca, exausta num pólo inverso do que eu gostaria, na intensidade intacta, mas sombreada pela dor, pela energia da morte, pela energia do não, do contrário, do pouco, do abstrato, do simplismo, da ausência. Ai de mim... cujo silêncio transbordou pelo gatilho nítido, pelo pequeno que disse do todo, pelo engodo, pelas palavras malditas e mal ditas ou não ditas. Pelo grito. Pelo meu grito exausto, outrora calado, violado pela escuta permanente ao outro, pelo vazio impresso, labiríntico, na frequência do que era ausente, ausente, ausente! Ai de mim... cujo medo existe, persiste, insiste, avança, me alcança, não se cansa, não descansa, me encolhe, não acolhe, não escolhe e escolhe... escolhe longe. Onde está a ponte? Onde está o abraço eternizado, onde está o que nunca houve, onde está? Onde estou? Ai de mim....

Ai de você...
Ai de você que nem sabe, que nem sente, que nem pode saber... que permanece num controle de coisa alguma... que é dirigente de um vazio, que conclama para o nada, que imprime a ausência da graça, que não ama, que disputa, que permanece onde está... mas onde está? Não há, não é! Ai de você que nunca viu o que é... que  nunca pôde ser, que nunca pôde estar, amar, desenhar, fazer. Que sempre viu de fora, que não soube o dia seguinte, que nunca pôde ser um verdadeiro ouvinte... Ai de você... cujo abraço não acolhe, não recolhe, não mistura, não segue em frente, não tem futuro, não sonha, não sofre... que não tem poesia, não sabe da alegria, que não vai a festa, não escuta a seresta, que faz tudo em parte, que não flui a arte... ai de você que engole a si mesmo, cada emoção, cada afeto vulgarizado pela arrogância, pelo exercício do poder. Ai de você que não sabe o perdão, a desculpa com os olhos nos olhos, que não é amigo de ninguém. Que não briga, não abriga...Ai de você...

Ai de nós...
Ai de nós... que fomos avassalados por emoções contidas, que somos condenados ao desencontro, que fomos separados pelos desencantos... que teremos as memórias esquecidas... em nossos cantos... cantos da sala, cantos do quarto, das sacadas. Cantos silenciados. Ai de nós... cujas nossas músicas nunca serão tocadas, as almas, em vida... penadas, penalizadas, encurraladas. Ai de nós que não pudemos sonhar, e não sonhando, não pudemos realizar... que os planos eram esboços reprimidos de uma vida impossível. Ai de nós, partidos, no coração, nos corpos, nas vidas... nos partidos repartidos pelas partidas. Ai de nós, ai de nós, ai de nós! Que não nos amamos e não somos amigos...
Ai de nós... não há abrigo... eu e você, o todo...Ai de nós...!